é alta a noite e só uma pergunta se sustenta no ar
levanto os olhos como quem perde as esperanças
e conto as estrelas.
estaciono meu carro vermelho no pátio em frente
atrás de mim há vozes e passos
caminho em direção à porta, sou atingida bruscamente
por uma barra de ferro
na nuca
continuo andando
a nuvem de pesar se dissipa
eram dois jovens bem vestidos conversando sobre a vida
– atrás de mim.
que fazer de minha existência rouca
que fazer do meu querer
sou o que une homens (mulheres!) e lobos
sou o nome do desejo
sou uma chama que agora se apaga no fundo do peito.
é noite alta, madrugada
entre o breu e as trevas os bêbados brincam
com a fosca lucidez, o cansaço no fim do dia.
exausta me largo no sofá bonito e confortável da sala de estar
este apartamento tem o tamanho ideal do meu sonho
embora o chão do banheiro esteja sempre molhado.
eu tenho vinte e poucos anos e já vivi coisas lindas.
Um prêmio por algo que escrevi. Uma peça de teatro. O divã. Uma bolsa de estudos no exterior. Uma viagem à África. Uma noite em Dubai. Viver sozinha. Amar uma mulher. Abrir a voz e cantar. Um mestrado. A poesia. A música.
as coisas mais lindas eu aprendi a viver sozinha.
a solidão de quem teve que guardar tesouros no quintal da memória
e o medo de ser invadida.
a solidão de quem vive com determinação
de quem se olha por dentro, rasura os modelos,
suspira e chora
no descompasso angustiante desta hora.
A cidade sem o mar. sem as serras. sem o trânsito, ora!
escondo-me aqui na esperança de jamais ser descoberta.